Editorial

Cuca, a sociedade e o tempo


O tempo que levou para a sociedade cobrar do treinador de futebol Alexi Stival, o Cuca, acerca da condenação por estupro na Suíça, em 1987, junto de outros três colegas, todos jogadores do Grêmio, levantou discussões na última semana. A pressão fez Cuca largar o emprego no Corinthians em menos de uma semana. Porém, ao longo dos quase 40 anos entre o caso e o debate que mais movimentou o Brasil nos últimos dias, ele teve uma boa carreira como atleta, consolidou-se como um dos principais e mais vencedores técnicos do futebol brasileiro, trabalhou em quase todos os principais clubes do País (do top 12, após o caso na Suíça, ele só não trabalhou no Vasco da Gama), empilhou troféus e prêmios individuais e foi ventilado até para comandar a Seleção. Treinou o Brasil, aqui em Pelotas, também. Afinal, o que mudou, então, para as cobranças virem à tona agora? E porque só agora?

Ao contrário de outros crimes que no passado não eram vistos assim, estupro, especialmente envolvendo crianças, sempre foi condenado, por basicamente todos os povos. O que mudou, de lá para cá, foi o espaço dado às discussões, às mulheres e a massificação do debate. Entre os que questionam o timing da pressão sobre Cuca, estão os que citam a imprensa. Afinal, porque nunca antes se procurou mais sobre essa história? Em poucos dias, o processo, sob sigilo na Suíça, foi encontrado por repórteres, que acharam inclusive um laudo que aponta a presença do sêmen dele na criança. Foi encontrada entrevista dele, desencontrando com as últimas versões dadas pelo treinador e seus advogados. Foram encontrados os outros acusados _ um, inclusive, trabalha com crianças no Grêmio, que analisa o que fará acerca disso. Foi ouvido o advogado da moça. Foram encontradas, também, reportagens e colunas deploráveis _ sobretudo de veículos gaúchos _ inclusive com deboches acerca da "moçona". Uma criança de 13 anos.

A mudança como se enxergam crimes cometidos por atletas e figuras midiáticas é gritante. O caso Robinho, condenado também por estupro, é um exemplo. Daniel Alves, maior vencedor da história do futebol, está preso sob a mesma acusação. A explicação para a mudança na abordagem de Cuca talvez esteja no sinal dos tempos. Usando uma expressão atual, ninguém mais "passa pano". Na sexta-feira, o São Paulo dispensou o atacante Pedrinho por acusação de agredir a namorada. O próprio São Paulo havia demitido o goleiro Jean pelo mesmo crime. Bruno, ex-goleiro condenado por envolvimento na morte de Eliza Samúdio, tentou retomar a carreira e não conseguiu.

Cuca promete se defender e ir atrás de quem, segundo ele, o persegue. É uma questão difícil, afinal, não são acusações vazias, nem uma perseguição aleatória. Há um processo, finalizado, consolidado, contendo laudos técnicos, enfim, tudo o que um processo legal deve ter. Há quatro condenações. Além dele pensar no que vai fazer, a imprensa também precisa repensar muitas coisas. Uma delas é não levar 36 anos para ir atrás de uma história que todos sabiam existir. Outra é atuar, como sempre deveria ser, como uma frente de apontar erros que a sociedade comete para, lá na frente, não olharmos com vergonha para o passado, tanto o que noticiamos, como noticiamos e o que deixamos de noticiar.


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